Operação Venefica: médico condenado em SC assinava como paciente para burlar fiscalização

Duas pessoas já foram condenadas por integrar uma organização criminosa que atuava em clínicas de emagrecimento em Santa Catarina. Dentro do esquema, profissionais da saúde receitavam, sem respaldo técnico, medicamentos manipulados que podem gerar riscos à saúde. Entre os condenados, um médico de Joinville, no Norte do Estado, encomendava os insumos para os remédios assinando seu próprio nome como paciente e profissional, conforme apurado pela Operação Venefica.

Médico condenado após ação em clínicas de emagrecimento em SC comprava remédios no próprio nome

Médico condenado após ação em clínicas de emagrecimento em SC comprava remédios no próprio nome – Foto: NDTV/MPSC/Reprodução/ND

A operação do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) fechou cinco clínicas em 2023, além de identificar farmácias que participavam do esquema, liderado pelo coach Felipe Francisco. Os estabelecimentos ficavam em Joinville, Balneário Camboriú e Itapema.

Até o momento, um médico e uma farmacêutica já foram presos e condenados pela Justiça. No entanto, os dois conseguiram habeas corpus, pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), e recorrem em liberdade. O papel desses profissionais era essencial dentro do esquema ilegal.

Protocolos milagrosos para emagrecimento

Segundo denúncia do MPSC, Felipe Francisco era o responsável por criar “protocolos”, ou seja, “compostos medicamentosos voltados para o emagrecimento, ganho de massa magra, aumento de músculos, performance física, entre outros”, com substâncias de venda proibida sem receita.

Como Felipe já havia sido condenado por exercer ilegalmente a profissão de nutricionista e receitar medicamentos para emagrecimento sem autorização, passou a contratar médicos que assinavam as receitas, sem consulta prévia de pacientes ou análise do histórico de saúde.

O médico condenado, por exemplo, trabalhou com Felipe na clínica F. Coaching, em 2019. O profissional foi um dos primeiros contratados após o coach ser liberado da pena que cumpriu, no Paraná.

O médico, inicialmente, não era alvo da operação. Mas assim que ficou comprovado a ligação com o coach, também teve seu trabalhado investigado pelo MPSC.

Médico assinava receitas como profissional e paciente

Durante a operação, foi confirmada a conduta ilegal do médico condenado. Ainda na F. Coaching, o profissional atuou de forma colaborativa ao esquema de Felipe Francisco.

“Foi um dos primeiros médicos que trabalhou lá (na clínica F. Coaching) de modo a também esconder a atividade ilícita que era praticada pelo Felipe, desde a assinatura de receitas médicas para que o Felipe continuasse conseguindo atender, prescrever e vender medicamentos”, afirma a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach.

A promotora ainda relata que o médico se desvinculou de Felipe Francisco após uma suposta desavença. Ele, então, inaugurou um “instituto de medicina” que não possuía alvará sanitário para realizar consultas médicas. Trabalhando em condições clandestinas em um coworking, o médico ainda aplicava e receitava, ilegalmente, medicamentos no mesmo esquema realizado na F. Coaching.

Para tentar burlar a fiscalização, o médico encomendava os produtos assinando o seu próprio nome no campo de paciente e também como profissional, destaca a investigação. Além de comprar em grandes quantidades, os compostos eram misturados em fórmulas sem respaldo técnico e as substâncias usadas nas medicações não eram informadas, portanto, as pessoas não sabiam o que estava consumindo.

Em um dos receituários médicos obtidos pela investigação, há a solicitação de 210 doses de testosterona, um hormônio que pode ser utilizado para ganho de massa muscular. Na receita, ainda é possível verificar que o médico assinou como paciente e solicitante.

Receita médica indica uso de grandes doses de testosterona

Receita médica indica uso de grandes doses de testosterona – Foto: MPSC/Reprodução/ND

De acordo com a promotora, mesmo se fosse uma clínica médica licenciada, o local ainda não deveria ter demanda para todos os produtos apreendidos, como os anabolizantes.

Médico condenado foi preso em flagrante com carga do Paraguai

O médico foi preso em flagrante no dia que voltou de uma viagem ao Paraguai. Em sua posse, o MPSC encontrou diversos anabolizantes que seriam vendidos em sua própria clínica.

Assim com a farmacêutica, o médico foi condenado por venda e distribuição ao consumo (de medicamentos), localização de medicação de origem clandestina e venda casada.

De acordo com a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach, os profissionais das clínicas investigadas não entregavam, regularmente, receitas médicas para os pacientes. Assim, eles eram obrigados a comprar as fórmulas nas próprias clínicas.

Já quando era disponibilizada a receita, eram acrescentados compostos para aumentar o valor caso a fórmula fosse encomendada em uma farmácia de manipulação não vinculada ao esquema. A promotora afirma que, dessa forma, as clínicas conseguiam superfaturar até 300% em cima dos “protocolos” comercializados.

O médico ainda teve adicionado à sua pena o crime de tráfico de drogas, por também comercializar óleo de canabidiol. A substância era vendida, inclusive, para pessoas que não eram pacientes do profissional.

Processo do MPSC com imagem de óleo de canabidiol

Substância chegou a causa alucinações em um paciente, de acordo com promotora – Foto: MPSC/Reprodução/ND

Farmacêutica de Itapema também tinha papel essencial no esquema

Conforme a promotora de Justiça, existem farmácias de manipulação que fazem captação de médicos e nutricionistas, ou seja, buscam parcerias com clínicas de saúde. Algumas dessas parcerias, segundo Elaine, acabam sendo de forma ilícita, como as identificadas pela Operação Venefica.

A promotora ainda afirma que, em um primeiro momento, a ligação da farmacêutica condenada seria apenas com a F. Coaching e as outras clínicas investigadas.

No entanto, quando foi realizada uma ação na clínica do médico condenado, foram encontrados diversos produtos oriundos da farmácia de Itapema, no Litoral Norte de Santa Catarina. Com o grande estoque, foi constatado o esquema ilegal e a profissional foi apontada como uma das facilitadoras para a liberação de medicamentos sem os trâmites necessários.

“Na verdade, quem está vendendo é a clínica, não é mais a farmácia, então perde-se aquela individualidade do paciente ir lá e escolher (o local onde manipular a fórmula) e estar o nome dele no rótulo”, esclarece a promotora.

Ainda de acordo com Elaine, esses medicamentos já estavam, em maioria, no nome do próprio médico para que, após as consultas, ele já pudesse vender e entregar aos pacientes.

A pena do médico chega a 38 anos, um mês e 15 dias de reclusão, em regime fechado, além de mais seis anos em regime semiaberto por burla ao consumidor. Já a pena da farmacêutica chega a 15 anos, seis meses e 20 dias. Além de seis anos, sete meses e 10 dias de detenção em regime semiaberto também por burla ao paciente.

Chefe da organização cumpre prisão domiciliar em Joinville

De acordo com a promotora de Justiça, o MPSC e o STJ foram contra a liberação de Felipe Francisco, já que ele apresenta uma reincidência no mesmo crime. Entretanto, durante o plantão de final de ano, um juíz determinou que o coach poderia aguardar o julgamento em prisão domiciliar.

A defesa solicitou a liberação de Felipe por conta de problemas cardíacos causados pelo uso excessivo de anabolizantes. Apesar disso, a promotora afirma que o presídio mantém a estrutura necessária para atendimentos de emergência, inclusive, com atendimento médico 24h por dia.

A promotora ainda relata que, na primeira condenação de Felipe, os advogados não apresentaram um pedido de liberação baseado nessa condição de saúde. Então, o coach cumpriu a pena normalmente em regime fechado.

A defesa de Felipe também solicitou a permanência dele em Pescaria Brava, mas a Justiça determinou que ele fique em prisão domiciliar em Joinville, onde a operação segue em andamento.

A reportagem tenta contato com a defesa de Felipe, mas até o fechamento da reportagem não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

Julgamentos da Operação Venefica

A promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach acredita que alguns julgamentos relacionados à Operação Venefica serão realizados ainda em 2024. Foram 24 pessoas denunciadas pelo MPSC. Duas já foram condenadas, duas já passaram por audiências de instruções, e outras 20 ainda aguardam os próximos passos do processo.

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