Operação Venefica: médico e farmacêutica condenados são investigados por conselhos em SC

Condenados no âmbito da Operação Venefica, o médico Julian Rodrigues Martins e a farmacêutica Marjorie Basilio devem cumprir, juntos, mais de 53 anos de prisão em regime fechado. Os profissionais foram investigados por receitar e vender, sem respaldo técnico, medicamentos manipulados que podem gerar riscos à saúde – além de superfaturar em cima dos produtos. Agora, os conselhos regionais também apuram o caso.

Profissionais condenados no âmbito da Operação Venefica são investigados pelos conselhos regionais

Profissionais condenados no âmbito da Operação Venefica são investigados pelos conselhos regionais – Foto: Internet/Reprodução/ND

Durante a investigação, o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) apurou que Julian e Marjorie atuavam em conjunto para formular protocolos medicamentosos em estratégia similar ao do coach Felipe Francisco, dono da F. Coaching, a maior clínica investigada por fazer parte do esquema.

Os profissionais envolvidos na organização criminosa receitavam e produziam compostos medicamentosos voltados para o emagrecimento, ganho de massa magra, aumento de músculos, performance física, entre outros. Parte relevante das fórmulas continha substâncias de venda proibida sem receita.

Protocolos próprios e superfaturados

Com a apreensão de mais de 150 aparelhos eletrônicos, o MPSC conseguiu provar a existência da organização criminosa e como os profissionais se conectavam. Julian e Marjorie, por exemplo, apesar de atuarem em cidades diferentes trabalhavam em conjunto para superfaturar na venda de medicamentos.

O Dr. Julian, como se apresentava na internet, atendia em Joinville, no Norte de Santa Catarina. Apesar de manter a divulgação de seu serviço e receber, diariamente, pacientes em seu consultório, o MPSC afirma que o  o local não possuía alvará para atuar como clínica médica.

Em um ambiente de trabalho colaborativo, conhecido popularmente como coworking, na rua Dona Francisca, Julian mantinha seus pacientes em contato com a farmacêutica ao recomendar seu trabalho.

Os dois combinavam, principalmente por mensagens, quais compostos utilizar nos protocolos recomendados aos pacientes. Caso alguém solicitasse um receituário para encomendar um medicamento fora da farmácia de Marjorie, localizada em Itapema, eram inclusos ingredientes para aumentar o valor final da fórmula.

Dessa forma, a farmácia de Marjorie passava uma falsa ilusão de que o preço dos produtos estaria muito abaixo do valor de mercado, o que compensaria solicitar os medicamentos “de fora”.

Segundo a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach, as clínicas envolvidas no esquema, como a de Julian, conseguiam superfaturar até 300% em cima dos “protocolos” comercializados.

Marjorie, inclusive, mantinha contato com outros médicos e clínicas investigadas no esquema. Ela foi condenada por venda e distribuição ao consumo (de medicamentos), localização de medicação de origem clandestina, venda casada e burla ao consumidor. Já Julian ainda teve adicionado à sua pena o crime de tráfico de drogas.

Para tentar burlar a fiscalização, o médico também encomendava os produtos assinando o seu próprio nome no campo de paciente e como profissional.

Óleo de canabidiol ilegal era vendido por médico condenado

Além dos protocolos medicamentosos, Julian vendia anabolizantes e óleo de canabidiol. De acordo com a investigação, um dos pacientes de Joinville chegou a relatar fortes alucinações após usar o óleo.

Óleo de canabidiol vendido pelo médico condenado em SC chegou a causa alucinação em paciente

Óleo de canabidiol vendido pelo médico condenado em SC chegou a causa alucinação em paciente – Foto: MPSC/Reprodução/ND

Julian vendia, inclusive, o óleo para quem não era paciente da clínica, o que indica que o profissional não teria controle de como e o por que as pessoas usariam a substância. A promotora de Justiça relata que, durante o processo, foram ouvidos profissionais e pacientes da clínica, que confirmaram a venda do produto no local.

“Existia uma grande procura. Ele vendia pelo WhatsApp, sendo paciente ou não sendo paciente. Como que o médico vai vender uma coisa completamente clandestina? Ele não tem nem noção do que isso pode causar. Poderia ter um percentual muito alto que é até pior que outra droga”, afirma.

Conforme a investigação, apesar da perícia não conseguir verificar a quantidade de THC na composição, para causar alucinações a porcentagem do componente deveria estar bem acima de 2%. “Ele [o paciente] falou que estava vendo coisas do além”, relata a promotora.

A operação encontrou na clínica do médico condenado diversos frascos de óleo de canabidiol sem identificação de pacientes, farmacêuticas ou outros indicadores. De acordo com a promotora, a investigação apurou que o produto seria feito na região de Joinville. “É uma pessoa que pega, planta a maconha, processa e faz do jeito que quiser, mistura e a gente não sabe nem o que tem aqui dentro”, afirma.

A operação apreendeu todos os óleos, além de anabolizantes, e também confiscou a lista de pacientes que compraram os produtos na clínica.

Condenações e processos da Operação Venefica

Até o momento, o médico e a farmacêutica foram os únicos condenados pela Justiça no âmbito da Operação Venefica. No entanto, os dois conseguiram habeas corpus pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e recorrem em liberdade.

A pena do médico chega a 38 anos, um mês e 15 dias de reclusão, em regime fechado, além de mais seis anos em regime semiaberto por burla ao consumidor. Já a pena da farmacêutica chega a 15 anos, seis meses e 20 dias. Além de seis anos, sete meses e 10 dias de detenção em regime semiaberto também por burla ao paciente.

A promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach acredita que alguns julgamentos relacionados à operação serão realizados ainda em 2024. Foram 24 pessoas denunciadas pelo MPSC. Duas já passaram por audiências de instruções, e outras 20 ainda aguardam os próximos passos do processo.

CRM e CRF investigam caso

O CRM (Conselho Regional de Medicina) e CRF (Conselho Regional de Farmácia) do Estado estão investigando a atuação ilegal dos profissionais condenados no Estado.

Segundo o CRM, apesar de ter conhecimento e estar apurando o caso, devido à  Resolução CFM nº 2.306/2022 o conselho não pode manifestar-se sobre o caso. A resolução exige que a apuração de qualquer caso envolvendo a atuação médica ocorra de forma sigilosa.

Já o CRF afirma que o processo ético disciplinar segue conforme previsto na resolução CFF nº 724/22. Até o momento, o CRF não pode prever nenhuma penalidade por infração ética. No entanto, a farmacêutica pode sofrer advertência com ou sem publicidade, multa, suspensão ou eliminação do registro assim que o processo for finalizado.

Ainda conforme o CRF, a pena de suspensão do exercício profissional, que pode ser de três a 12 meses, é prevista nos casos de falta grave, de pronúncia criminal ou de prisão em virtude de sentença. Já a sanção de eliminação poderá ser aplicada nos casos de falta grave, que já tenham sido três vezes condenados definitivamente à pena de suspensão, ainda que em conselhos regionais diversos. As sanções podem ser cumulativas.

Até a publicação desta reportagem, o CRM do médico Julian Rodrigues Martins encontra-se regular, assim como o registro da farmacêutica Marjorie Basilio.

De acordo com o advogado Ismael Alves Dos Santos, a defesa de Julian irá recorrer pela decisão da condenação. “Entendemos não ter havido tráfico, entre outros crimes”, afirma o responsável pela defesa do médico.

Já o advogado Francisco Monteiro Rocha afirma que a defesa da farmacêutica Marjorie não irá se pronunciar sobre a condenação no momento.

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