JP3 Entrevista: Gunga fala de memórias do turismo e dos primeiros passeios de barco

Balneário Camboriú está comemorando 60 anos de emancipação político-administrativa no dia 20 de julho. Uma forma de manter ‘viva’ uma cidade é não perder de vista sua história. 

O jornal Página 3, que completa 33 anos no próximo dia 26, sempre dedicou espaço ‘livre’ para a história de Balneário Camboriú e a melhor maneira de fazer isso é ouvir pessoas que acompanharam bem de perto esse desenvolvimento.

Nesta edição entrevistamos pessoas que vivem em Balneário Camboriú há 60 anos ou mais, alguns são nativos, outros chegaram na década de 50, 60, mas todos ajudaram a construir essa história.

“Eu moro onde você passa férias”, essa frase ficou famosa, diz Gunga cheio de orgulho e parabenizando a cidade pelos 60 anos

Não há morador ou turista de Balneário Camboriú que não conheça (pelo menos de vista) o Barco Pirata. O passeio turístico de barco foi o primeiro atrativo da cidade, mas não começou com a versão pirata e sim com pequenos barquinhos a remo. 

Quem viu tudo isso acontecer é Domingos Casemiro Pinheiro, o Gunga, nativo de Balneário Camboriú e é um dos proprietários do Barco Pirata. Gunga se criou entre o Bairro da Barra e a Barra Sul e é um dos entrevistados da série de entrevistas especiais do Página 3 que celebram os 60 anos de emancipação política de Balneário Camboriú.

Nativo da Barra

Vista panorâmica da praia a partir do Bairro da Barra. (Foto: Aron Scharf)

“Sou nativo de Balneário Camboriú. Na realidade, nasci no bairro da Barra, né?

Vou fazer 62 anos, quando eu nasci, eu fui registrado no município de Camboriú.

Chamávamos de Praia de Camboriú na época.

E, na realidade, a praia ao todo, antigamente, não se dava valor.

Não se dava valor para o litoral, o pessoal aqui da Barra

vivia da pesca, plantação e extração de pedra, paralelepípedos.

A pedreira. Esse morro hoje é um morro verde bonito, 

mas antigamente parecia serra pelada, porque o pessoal plantava também

e tiravam pedra também, ficavam devastando tudo”.

Como começou o ‘turismo náutico’

“Eu comecei junto com meu pai, e meu pai começou com meu avô.

Numa parceria de barco de pesca, isso nos anos 79 para 80,

eu tinha um barquinho a remo, meu pai um barco a motor,

e eu levava o pessoal para pescar nessas pedras aqui na margem,

saindo do Rio Camboriú, levava até Laranjeiras.

Eram turistas, mas um turista daqui do Vale do Itajaí, vinha o pessoal de Blumenau, Rio do Sul.

Eu comecei com esse barco a remo, fazendo passeio,

depois eu comprei uma embarcação para pesca e eu pescava o camarão,

arrastava o camarão e nós tínhamos um mercado de peixe aqui,

trazia o camarão, por exemplo, 10 quilos de camarão,

eu pescava, vendia direto para você, para o consumidor final. 

Meus amigos, os pescadores, ficavam o dia todo pescando e vendiam para o atravessador. 

Então, o quilo de camarão que eu vendia para o turista

era o valor de cinco que eles vendiam para o atravessador

e aí com o meu barquinho pegava água do rio com um baldinho ali,

deixava ele pronto e levava dois casais, três casais, para fazer

o passeio de barco.

Que é uma tradição até hoje.

Ou seja, o passeio de barco em Balneário Camboriú foi o primeiro atrativo.

Não começou com o Barco Pirata

“Ele não iniciou com o Barco Pirata, e sim com os pescadores. 

Eu comecei nos anos 79, 80, mas bem antes o meu pai já fazia esse passeio. 

Teve uma época dos anos 80, 81, que a colônia de pesca,

o sindicato dos pescadores, administravam o passeio de barco, 

era por vez, que nem táxi, mas eram todos barquinhos pequenos de pesca, 

que a Marinha permitia. E só por 90 dias de temporada, 

era uma licença para operar no turismo com o barco de pesca.

E aí foi se passando o tempo,

era um barquinho pequeno para quatro pessoas, dois casal,

fui fazendo maior e aí eu pensei:

‘eu vou sair da pesca e vou adaptar uma embarcação somente para o turismo”.

Desenvolvimento dos barcos

O Mar del Plata (Arquivo Pessoal)

“Nos anos 84, 85, eu fiz a primeira embarcação para 12 pessoas

e aí já adaptada, com música e tal. 

Ainda era um barco como o barco de pescador. 

Só que, tipo assim, ele era um pouquinho melhor, né?

Em 1987 eu fiz uma embarcação maior, para 40 pessoas,

que chamava-se Mar del Plata.

Como nós tínhamos uma visita muito forte dos argentinos,

eles falaram: ‘por que não colocar Mar del Plata?’, que é o litoral deles lá, né?

E eu fiz essa embarcação com o nome Mar del Plata.

Quando chegou em 1997, nós criamos o Barco Havaiano,

todo decorado, com frutas a bordo,

com a música do Hula Hula, com as meninas todas de sarongues,

de tiara na cabeça, e nós…

a gente era concorrente do Barco Pirata, que não era nosso.

Em 1999 a gente adquiriu duas empresas,

que chamavam-se Transmarine e Nautitur, que eram os Barcos Piratas.

E aí quando adquirimos esses barcos,

a gente viu que o Havaiano não era o que o turista buscava.

Aí a gente fez todos a caráter.

De 1999 para cá, é que eu venho administrando e sendo proprietário também, 

um dos proprietários, e temos seis embarcações”. 

Barco Pirata é a cara de Balneário

Gunga em frente do primeiro Barco Pirata que ele comprou, que está na Frota até hoje (Arquivo Pessoal)

“Em 1980, veio uma embarcação,

O primeiro Pirata, que a gente comprou em 1999, 

a gente tem ainda hoje aqui. Um barco para 290 pessoas. 

Mas em 1980 para 1981, veio uma embarcação aqui com o nome ‘Lendário’.

Para mim, era o verdadeiro Barco Pirata.

Era um barco construído na Europa, um barco antigo,

e tinha uma tripulação muito a caráter.

E esse barco não entrava no nosso rio por causa da entrada da barra,

que estava muito assoreada. E como ele navegava a vela,

o barco era incrível, fazia um passeio mais largo do que o nosso,

e eu, com os barquinhos pequenos, pegava os passageiros,

como eu faço hoje, com os cruzeiros.

Eu vou lá, tiro os passageiros do navio e trago aqui 

e depois levo para o navio, e eu fazia com esse Pirata Lendário nos anos 80, 81.

Ainda era a época do Havaiano. Aí a gente levava o turista a bordo, 

80% argentinos, porque eles adoravam Barco Pirata.

Os piratas na época eram João Chaves, o Diabo Louro, que eram os verdadeiros piratas”.

Turismo só no verão

“Mas tinha uma coisa – só conseguia manter os barcos no verão,

por isso a gente trabalhava 9 meses na pesca e 3 no turismo.

A pessoa tem que ter visão, eu comecei na pesca, mas vendia

direto para o consumidor final, que pagava mais.

Na baixa temporada, tinha movimento nos finais de semana e feriados,

e no verão, mas só.

Hoje, na alta temporada, a gente emprega 70 funcionários e o ano todo 48.

Teve temporada, antes, que tentamos manter o ano todo, e a gente tinha

que tirar do bolso pra pagar.

Hoje conseguimos, temos movimento o ano todo, temos

trabalho focado o ano inteiro, com passeios diários.

Eu vou dizer que falando de SC, onde se consegue trabalhar

com Barco Pirata o ano todo, é só Balneário Camboriú.

Floripa, Bombinhas, Porto Belo, é difícil.

E hoje somos a cidade com o maior número

de equipamentos turísticos, e é bom pra todo mundo.

O nosso barco já é a própria propaganda, você vai na praia

e vai ver nosso barco passando”.

Mas Balneário Camboriú a gente consegue o ano todo”. 

Acidente do Bateau Mouche e impactos no trabalho

“Na época em que aconteceu o acidente do Bateau Mouche (uma embarcação de turismo que naufragou na costa brasileira no dia 31 de dezembro de 1988, no RJ),

você tinha que ter recurso para segurar a onda, porque daí a Marinha

começou a exigir muita coisa.

Eu hoje gostaria de empregar amigos meus aqui da Barra, 

Pescadores, que sabem tudo, tem a teoria, tem a prática, 

mas na época que virou o Bateau Mouche, antes a gente trabalhava 

com a nossa carteira profissional de pescador, que chama-se POP, pescador profissional. 

Mas hoje o pescador não pode, tipo, eu contratar eles com

essa carteira de habilitação.

Então, ficaram fora, por não ter o estudo que exige, mas eles sabem tudo.

Eles são pessoas que nasceram no mar, que eles conhecem tábua de maré,

eles conhecem o vento, conhecem tudo de verdade. Então, 

hoje em dia, você contrata pessoas que tem a teoria, né?

Mas aí você põe o cara aqui, ele chega ‘no hugo’ (enjoo) primeiro do que o turista,

só para ter uma ideia, ele ‘mareia’ primeiro do que o turista (risos).

Viu a história de BC nascer

Barra Sul possivelmente entre 1986/1988 Foto: Grupo Tedesco.

“Balneário Camboriú, na realidade, eu posso dizer que conheci bem

O meu pai (Cassemiro Domingos Pinheiro), imagina,

ele foi um dos primeiros vereadores aqui do município,

quando emancipou e não recebia um centavo.

Era voluntário. Era como se fosse um presidente

 da associação de bairro, e eles faziam muito pela cidade.

Balneário Camboriú, quando emancipou, que veio o primeiro prefeito,

o Pio, depois o Armando César Ghislandi,

O Meirinho, então…

Balneário Camboriú deve muito também, porque eu acho

que todos os políticos que passaram pela Casa do Povo,

pela nossa prefeitura, que estão administrando,

eu acho que todos fizeram a sua parte.

E Balneário Camboriú, uma cidade que em metros quadrados é pequena,

uma cidade plana… Eu sou suspeito de falar, porque, 

na realidade, criei meus filhos, minha família aqui 

e sempre nessa região…

Estou há 42 anos na Barra Sul. 

Só atravessei o rio (risos). 

De nativos nessa área, na época tinha uns 27 amigos meus ali na Barra.

Eram bem poucas casas na época”.

Rio Camboriú na época

“E o nosso Rio Camboriú né…

Ele pede socorro hoje.

Passamos uma fase, há uns meses atrás, onde estavam

jogando nele esgoto in natura, pelo problema que deu na lagoa da Emasa.

Me parece que agora está caminhando certo, mas o rio pede socorro.

Quando eu nadava, atravessava da Barra para a Barra Sul,

eu ia lá para cima, onde tem a ponte do Barranco, ali tinha

o restaurante Poço das Pedras, a gente mergulhava,

tirava ostra, natural, viva, abria ela, 

comia com limão e sal.

Hoje, eu não consigo fazer isso. A ostra é um filtro,

do rio, do mar, então… 

Na época, Balneário Camboriú deveria ter 12 mil habitantes

e Camboriú menos ainda.

Hoje Camboriú já tem 100 mil habitantes, Balneário 140, 150 mil,

então para nós ter um rio daquela época, precisa que Camboriú

faça o saneamento básico 100%.

E aí eu acredito que vamos começar a voltar aquilo de 40 anos passados.

Eu acredito que, se for com responsabilidade dos governantes,

eu creio na limpeza do rio, mas precisa do esgoto tratado e consciência do ser humano.

A gente faz a limpeza, o Todos Juntos pelo Rio Camboriú,

e quando fazemos sempre tiramos muito lixo, um show-room,

com sofá, geladeira…

e temos também nosso barco escola.

Começa o passeio com as crianças no Unipraias, na Mata Atlântica,

saem com o nosso barco,

param no Parque Raimundo Malta, as crianças descem,

fazem o caminho em cima do mangue, porque tem plantar a sementinha

nas crianças, nas futuras gerações, para que elas vejam

a realidade do nosso rio e vejam que precisamos cuidar.

O nosso líquido precioso é a água e o nosso rio é tão pequeno,

só abastece duas cidades,

então temos que cuidar, para manter as cidades por muito tempo.

De que adianta cobertura de R$ 40 milhões nos prédios e não ter água?”.

Curiosidades da Barra Sul

Em frente ao Hotel Fischer, na década de 60. Foto: Cartão Postal Uivaio

“Vi a Barra Sul se desenvolver também.

Na década de 70 eu cuidava de carro,

dava uma grana legal pra gente.

A área era conhecida como pontal e não como Barra Sul.

Tinha um pontal de área, teve show do Lulu Santos, Kid Abelha,

400 carros ficavam aqui em cima.

Eu conheci a Barra Sul antes da Avenida Atlântica, 

tinha mão ida e volta com gelo baiano na pista,

chegava na 3.900, desviava porque não havia beira-rio.

Tinha o boliche, o restaurante Linhares, o camping, onde hoje é a Marina,

shopping de verão… e o point da nossa cidade era Barra Sul, 

Baturité, Saloon, Toc-toc, várias casas que a gente conheceu.

Tinha o Havaí, um restaurante todo de palha que era muito badalado.

Tinha o Mini golf, onde está o prédio do teleférico, e dava muito movimento,

com canchas enormes.

Balneário Camboriú modernizou, mas já era muito ousada na época.

Falar de Barra Sul… ela é linda! Cresceu uma coisa louca,

mas sempre foi linda, e eu só tenho lembranças boas.

O tempo vai passando, eu perdi meu pai, meu avô, 

a gente tem uma história da cidade, a gente viveu.

Meu pai dizia “essa cidade vai ser muito linda, pena que eu não vou conseguir ver”,

eu tenho muito isso na minha mente e vou passar para os meus filhos”.

Lagoas pela cidade

“Tinha roseta, que espinhavam o pé,

onde eram as restingas, que estão replantando agora,

e muitas lagoas pela cidade… até na Tamandaré ali.

No Canal Marambaia, meu pai tarrafeava, jogava tarrafa,

pegava tainhota.

O Rio Marambaia vai até o colégio Santa (Vereador Santa),

então próximo ao Ilha da Madeira, Espetinho de Ouro, era tudo aberto,

um rio grande. E tudo está em cima dele.

Três rios precisam hoje de grande atenção:

o Canal Pedro Pinto, na Barra, 

o Rio das Ostras e o Marambaia, que estão deixando a desejar”.

Preocupação com o futuro

Balneário em 1971 (Foto: acervo de Ubirajá Pindaro Tasso Jatahy)

“A minha preocupação é, em primeiro lugar,

você vê em qualquer município carretas e carretas, descarregando carros zero,

o primeiro navio da operação do Porto de Itajaí também trouxe,

e a BR-101 tem que passar por fora, pelo interior de Camboriú,

pegar o Beto Carrero, cortar, já passar lá em Tijucas.

Tem que ver isso daí, porque não dá pra ter só um acesso como hoje.

Vejo com bons olhos a revitalização da nossa praia.

Já tem um pedaço praticamente pronto, mas tem que fazer

a segunda galeria de drenagem, porque acumula muita areia.

Antes dava chuva, 40min baixava, e agora está difícil.

Tem que fazer um troço bem feito, bem projetado”.

Parabéns para a cidade

“Completar 60 anos, é uma maravilha, né?

É a maravilha do Atlântico Sul e quero dizer 

parabéns, Balneário Camboriú, parabéns aos nativos de Balneário Camboriú, 

parabéns quem veio morar em Balneário Camboriú,

que é uma cidade que acolhe a todos,

e o turista que trabalha um ano para fazer uma economia,

para passar uma semana em Balneário Camboriú,

Tanto que ficou tão famosa a frase, eu moro onde você passa férias. 

A cidade está segura, podemos dizer que está segura, né?

Porque a gente vê tanta coisa de outros municípios, de outros estados, então parabéns Balneário Camboriú”.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.