JP3 Entrevista: Dona Adelaide relembra histórias antigas das praias agrestes

Balneário Camboriú está comemorando 60 anos de emancipação político-administrativa no dia 20 de julho. Uma forma de manter ‘viva’ uma cidade é não perder de vista sua história. 

O jornal Página 3, que completa 33 anos no próximo dia 26, sempre dedicou espaço ‘livre’ para a história de Balneário Camboriú e a melhor maneira de fazer isso é ouvir pessoas que acompanharam bem de perto esse desenvolvimento.

Nesta edição entrevistamos pessoas que vivem em Balneário Camboriú há 60 anos ou mais, alguns são nativos, outros chegaram na década de 50, 60, mas todos ajudaram a construir essa história.

Adelaide Nascimento Rocha, de 91 anos, é moradora da Praia de Taquaras, em Balneário Camboriú, mas nasceu na Praia Brava de Itajaí. Ela mora em Taquaras há pelo menos 80 anos, onde ficou conhecida por ser benzedeira. 

Adelaide tem 10 filhos (três já falecidos), mais de 30 netos, 20 bisnetos e três tataranetos, muitos moram em outros locais, mas alguns ainda residem em Balneário. 

Nesta reportagem especial, ela divide suas memórias de uma cidade que já não existe mais e hoje deu lugar ao metro quadrado mais valorizado do Brasil. 

Acompanhe:

Nasceu na Brava, mora em Taquaras

Nasci na Praia Brava, mas olha, nega,

eu calculo que moro em Taquaras há uns 80 anos, né? 

E mudou muito, Taquaras, meu Deus, meu Deus. 

Taquaras mudou, Balneário mudou, né?

Minha mãe era viúva. Era sozinha com nós três.

Três irmãozinhos. Três comigo.

E aí chegou um senhor e falou com ela pra casar. 

Ela aceitou o casamento, viúva, nós tudo pequeninhos. 

Aí viemos morar na Laranjeira. Aí dali foi que eu cresci.

Aí depois vim morar pra cá, Taquaras, numa casa aqui, lá embaixo.

E fiquei morando ali. Aí eu cresci, casei aqui.

Tenho meus filhos, meus netos, meus bisnetos, tataraneto.

Aqui ainda estou. 

Lembranças

Vista do Bairro da Barra e da Igreja Nossa Senhora do Bom Sucesso (Foto Marlene Karin Werner)

Eu me lembro da igreja, que era bem velhinha, né?

E pouca casa tinha em Balneário.

Era tudo mato, tudo servado, tudo com poça d’água, 

só tinha a estrada de Camboriú, que viaja até Itajaí, 

e ali tinha as picadinhas, né, que é de quem morava por ali,

ali o Mané Germano, aquela gente mais antiga, né?

Na época era praia de Camboriú.

Não tinha aquele movimentão na praia,

tinha só um trilhozinho de quem tinha aquelas casinhas, 

vinha pra praia pra aqueles trilhos.

Hoje aqueles trilhos são ruas. 

Vida na época

Ah, era pobre, né? Tudo pobre.

Tudo, tudo, tudo, tudo.

Hoje a gente pode dizer que tá rico, que a vista ao que era aquele tempo. 

A gente era muito pobrezinho demais. E não era só nós, era muita gente.

Era uma vida bem diferente de hoje. 

O meu marido também era daqui. Dermino Rocha

A gente se conheceu aqui, eu já morava aqui. 

Foi assim, crescemos juntos, nos conhecemos e casamos.

Casava, fazia baile, dançava, domingueira, tudo isso.

As domingueiras era na casa das pessoas.

Meu Deus, era mais gozado.

Era divertido, divertido, meu Deus.

As famílias mais antigas ainda estão aqui,

Tem os Rocha, Euflorzino, Domingos e a do seu Gregório e Pereira.

As famílias tradicionais, todas tinham engenho.

A minha família não tinha, mas muitas tinham.

Tinha engenho de família e de cana. Chegou a ter sete ou oito engenhos.

Hoje só tem um.

Eu ajudei muito.

Frutos do mar e horta em cada casa

Dona Adelaide foi ver de perto um dos maiores lanços de tainha esse ano em Taquaras (Foto: Divulgação/Marcelo Peixoto)

Tainha que nem este ano não dava. 

Tinha mais peixe, mas hoje pegam mais. 

Deu muito, muito, muito peixe. Muito, demais.

Mas sempre matavam alguma tainha,

porque aqui tinha, a gente tinha rede de arrasto,

mas não matavam como tem agora.

A gente pegavam peixe do mar, pegava no costão e era fruto da terra, né? 

Nós plantava mandioca, milho, feijão. Só não dava arroz. 

Não tinha brejo para arroz, né? 

Mas tudo era daqui. Cada família tinha sua roça. 

Até hoje o mercado aqui em Taquaras fica mais longe, né? 

Então cada um tinha que dar seu jeito. 

Fazia farinha e botava no carro de boi saco de farinha e vendia na Barra.

Na Barra, em Camboriú, na Casa Garcia, Izidoro Garcia. Vendia para ele também, 

café também, quem tinha, vendia lá para ele. Era isto. 

Tinha cafezal, hoje tem uns pezinhos, mas não como antes.

Também tinha muita banana em Taquaras.

Uma vez por ano só que a gente comia carne,

no Natal ou na Páscoa.

Lance de tainha, em maio de 1973 (Foto Arquivo Histórico de Balneário Camboriú)

Num instante se formou Balneário

Com a filha Marize (Foto Renata Rutes)

Demorou muito tempo pra vir turismo. 

Mas num instante se formou Balneário. 

Quando se emancipou ali, que vai fazer 60 anos agora…

A minha filha tinha um ano.

Me lembro da emancipação.

Onde tinha aquelas casas antigas, eu hoje não sei mais onde é. 

Morava o Zé Nicolau, que tinha uma vendinha.

Depois morava, em fronte morava o Venanço, para cá tinha o Moreno, 

que morava, né?

Mas era tudo assim escondido no mato, porque não tinha rua.

Era tudo mato, né? 

Quase não vou para Balneário, não. Mas são prédios muito altos.

Não dá pra dizer que é Balneário, aquela que me criei.

Meu Deus, meu Deus.

Mais amor um ao outro

Antes…

Tinha uma proximidade maior do que hoje.

Tinha mais amor um ao outro, parece, né?

Hoje está muito diferente de tudo, tudo, tudo, tudo.

Às vezes eu fico sozinha, começo a lembrar…

Não é mais como era. Nada. Nada. 

E as Taquaras vai ficar a mesma coisa.

Já estão fazendo prédio, né? Já estão fazendo, né nega, de dois andar.

Daqui uns dias isso aí tá lotado também.

Isso aí vai ficar num pedacinho ruim.

Porque Balneário por uma banda num lado tá ruim, mas no outro lado acho que tá bom.

Não sei, porque é muita coisa demais, né?

Muito peso em cima daquela terra.

Natureza de Deus

Balneário, 1980 (Foto Maiko Nienkotter)

Ah, Balneário…

Acho que é natureza de Deus, né?

Porque aquela ilha de Balneário, aquela ilha é uma natureza de Deus, né?

Como é que Deus fez o mundo e deixou aqui pra terra ali, né?

Eu entendo assim, não sei. 

Já cresceu tanto em 60 anos, imagina o que vem pela frente ainda, né?

Imagina, meu Deus, aqueles morros vão virar tudo em casa. 

Causos como benzedeira

Minha mãe não era benzedeira, só a minha tia.

Eu aprendi que me ensinaram. Duas velhinhas me ensinaram, eu aprendi. 

E muita gente já atendi nesse tempo.

É uma tradição. Muita gente procura. 

De Itapema, Camboriú, Praia Brava, Itajaí, Camboriú, Perequê, sempre tem gente. 

Mas assim como a pesca, ah, deveria ser mais valorizado, né? Porque é uma tradição.

E eu benzo e não cobro. 

Já faz mais ou menos quase 50 anos. 

Muita gente de idade, criança, homem, mulher, tudo.

Enfermidade na perna, feridas grandes, num instante eu faço benzimento

e, com a graça de Deus, a pessoa se cura.

Acreditam muito, os antigos já benziam.

Tem quem não gosta, crente não gosta, mas os católicos gostam.

Importância das festas nas praias agrestes

Adelaide na Festa das Raízes, em Taquaras (Divulgação/Marcelo Peixoto)

Uma coisa que eu gosto muito

são as festas, a Raízes de Taquaras…

foi muito bonita a festa, foi!

Taquaras e as praias são diferentes porque lá,

em Balneário, é mais movimentado. 

Mas aqui também tem muito movimento.

Balneário começou com pouca gente na praia, 

passou para Laranjeiras e Taquaras, na temporada, enche de gente.

E nunca teve. E agora tem muita gente.

Era uma época de riqueza a que vivi, 

a dificuldade era não ter dinheiro, mas a gente se virava.

Trocava o peixe, a farinha…

E hoje é outra cidade.

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