“Com todas as mudanças o que mais sinto falta é o ambiente de redação”, por Marlise Schneider Cezar

Todos os anos, no aniversário do Página 3, aproveitamos para falar um pouco dessa trajetória que hoje chega aos 33 anos.

Este ano quero escrever um pouco sobre as mudanças – são tantas que acompanho desde o começo da minha carreira, em 1972, na Cia.Jornalística Caldas Júnior, em Porto Alegre…no auge da ditadura, quando escrever era uma verdadeira arte de ‘camuflar’ para conseguir publicar…inclusive sobre esporte que era a minha área…Faço questão sempre de falar nesse período obscuro, que foi o mais desafiador dos meus 52 anos de jornalista e que recentemente andou rondando novamente nosso país, nosso povo, nossas redações e nossas mentes.

Voltando às mudanças: naquela época funcionavam as oficinas de linotipia, as matérias eram montadas, letra por letra, em chapas metálicas. A máquina de linotipo foi uma invenção de grande sucesso usada até meados do século passado. 

Hoje parece um negócio jurássico, mas ainda recordo bem dos meus tantos amigos linotipistas… e a cara que faziam quando um repórter entrava correndo na oficina e pedia pra trocar um resultado, um número, uma foto, era um deus-nos-acuda parar todo aquele maquinário…

Na redação, laudas e máquina de escrever, de ferro. Teclado pesado. As matérias eram feitas 99% presencial, cara-a-cara e algumas por telefone. O repórter anotava tudo no papel, não tinha gravador e quando surgiram os primeiros eram caros e enormes, uns tijolões pesados. Poucos conseguiam comprar (e carregar) aquilo.

Tempos depois, apareceram as máquinas de plástico duro com teclado mais leve. Nas redações, tudo chegava via fax e telex, era aquela barulheira o tempo todo. 

Somente no início dos anos 80, quando trabalhava no jornal “O Globo”, no Rio, conheci o computador. Mais mudanças. Teclado leve. Medo de dar um ‘clic’ errado e perder a matéria. Entrevistas presenciais continuavam com toda força, mas o telefone se tornava mais presente para ganhar tempo. 

De volta ao sul, em 1988, decidimos morar em Balneário Camboriú. Trabalhei na sucursal do “Jornal de Santa Catarina”, que ficava na Galeria Maxim. Novas mudanças, com cara de retrocesso. Voltei a usar máquina de escrever, mais moderna, elétrica, mandava os textos para a matriz em Blumenau por telex, recebia matérias por fax…e as entrevistas em sua maioria continuavam olho-no-olho.

Em 1991, junto com o Bola Teixeira e a Gelci Veit fundamos o jornal Página 3 e vieram conosco os ‘cônjuges’: Marzinho e a Pat, que acreditaram no projeto. 

A primeira sede foi na Rua 600, uma sala e um banheiro, que conseguimos alugar com enorme dificuldade, porque o dono da imobiliária disse que jornal nenhum durava um ano em Balneário Camboriú…foi um perrengue e tanto…e mais mudanças: além das máquinas de escrever, começamos com UM computador que era manejado pelo Marzinho, o único que sabia baixar matérias e copiá-las para então serem recortadas e coladas em past-up, uma folha do tamanho do jornal…aí foram grandes mudanças…porque nunca tínhamos trabalhado na montagem de jornais, o que era uma verdadeira obra de arte que exigia muita habilidade.

Aí aconteceu a mudança maior: a independência, não tinha mais um ‘chefe’ dando ordens, tudo era criado e planejado em nossas reuniões de pauta, sempre com responsabilidade, sempre respeitando a liberdade e o direito de cada um. 

Pouco tempo depois, mais mudanças: a sede ficou maior, na Rua 1520, e todos tinham seu computador. As matérias continuavam sendo apuradas – 90% presencialmente. Mas o gravador já fazia parte e facilitava bastante o trabalho. A mesa de luz continuava funcionando para montagem das páginas.

Anos depois, com a tecnologia explodindo, novas mudanças, o jornal já podia ser lido no computador, já navegava nas redes, mas continuava sendo impresso até que um dia, essa ‘era’ parou e o jornal tornou-se 100% online.

São tantas mudanças e hoje o jornalismo está diferente, tudo feito com enorme velocidade, a informação navega em redes sociais, parece que todo mundo virou jornalista. 

Hoje tem jornalistas profissionais e aqueles que se passam por jornalistas. Parece que os jornais impressos ficaram lentos, notícias de última hora não são mais o forte dos impressos, eles trabalham mais grandes reportagens, pesquisadas, com muitas entrevistas…

No futuro, mais mudanças e cada vez mais velozes. Porque para os jovens de hoje, jornalismo é mídia social. Tenho experiência prática nisso, há 10 anos quando havia milhares de Página 3 sendo distribuídos na cidade, meus netos ainda pré-adolescentes, nem tomavam conhecimento, raramente folheavam o impresso…mas nas redes, no celular, no youtube, no facebook e não sei onde mais, estavam sempre ligados…vinham comentar as matérias do Página 3 que viram nas redes…

Grandes mudanças ainda virão. Acredito no jornalismo independente, ele faz parte da sociedade democrática. Mídia social são espaços de compartilhamentos, onde todos expõem suas opiniões, informações, que nem sempre são verdadeiras. Tem fake news que viraliza na hora e acaba se tornando verdade.

Uma outra mudança que vejo nos dias de hoje é que o jornalismo ficou mais ‘preguiçoso’, aquele negócio de ‘controlC controlV’ funciona muito, não dá trabalho nenhum, é só jogar no ar e o pseudo jornalista já pode ir à caça dos clics de seguidores que eles adoram divulgar…

De todas as mudanças que fazem a evolução da profissão que acompanhei até hoje, a que mais sinto falta é o ambiente de redação, aquele movimento de gente entrando e saindo, a constante troca de informações, as conversas, a salinha de entrevistas, o dia do fechamento que sempre era o mais agitado de todos, o chimarrão rodando, a comemoração dos aniversários de cada um da equipe, enfim a companhia de todos. 

Uma mudança que não vai mudar na minha cabeça nesses tempos modernos de home office!

Marlise Schneider Cezar é fundadora e editora do jornal Página 3

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